quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Individuação: O que é um agasalho?


Este ano fui bem ausente no blog... No primeiro semestre, quando estava ocupadíssima, postei bastante, depois fiquei com mais tempo e quase não postei nada. Bem, quer que algo seja feito? Peça a uma pessoa ocupada!
As últimas rodas do ano, com os trabalhadores, giraram em torno de tomar as rédeas da nossa própria vida. Falamos de temas como o processo de individuação*. É muito comum nos incomodarmos com os outros. Gosto de dar o seguinte exemplo: perguntaram a uma criança o que era agasalho e ela disse: é o que a minha mãe veste em mim, quando ela está com frio.
É tão comum algumas pessoas dizerem às outras: você não está sentindo calor com este casaco? Ou, quer um casaco? Tá frio, né?! Esta é apenas uma ilustração rasa do que acontece quando não aprendemos a nos separar dos outros. Quando estamos misturados com nossa família, filha (o), esposa (o) ou qualquer pessoa que vemos e nos incomoda. O irmão faz uma má escolha de casamento e você sofre. A sobrinha está transando antes da idade, que você julga apropriada, o mundo se acaba. O colega de trabalho é muito relapso com suas tarefas, você critica (mesmo ele trabalhando em outra sessão).
O olhar demais para o outro pode ser também uma tentativa de evitar olhar para si mesmo. Em geral, só reconhecemos no outro o que conhecemos. Como não consigo olhar para meus defeitos eu os vejo no outro e isso me incomoda profundamente. Quando descubro que não tenho nada a ver com as escolhas do outro (se elas não me afetam diretamente, é claro), aprendo a respeitar o seu espaço, respeitar suas escolhas e passo a sofrer menos.
Apesar de parecer fácil ... leva anos para alcançarmos a individuação. São anos de análise ou terapia e ainda assim, algumas vezes vejo alguém na rua e penso: “como ela não sente frio com esta roupinha tão curta?” Se você está com frio, vista o seu casaco, não peça ao outro que faça o que você gostaria de fazer.
*Individuação é um conceito Jungiano, entenda melhor clicando aqui.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A liberdade do outro vai até onde começa a minha

Esta foi nossa última roda antes das minhas merecidas e esperadas férias! Éramos muitas nesta sexta, todas mulheres, e quase todas participaram. Na chegada conversávamos sobre nossos animais de estimação, nossa relação com eles e o luto ao perdê-los. Só após muitas partilhas sobre nossos bichinhos é que efetivamente iniciamos a nossa roda de terapia.
O tema da roda surgiu deste bate-papo inicial. Uma participante contou que ao viajar a vizinha pegou sua cachorra e sumiu com ela e seus filhotes. Disse ter se sentido invadida. Então propus o seguinte tema: Quem já invadiu o espaço do outro? E o que aprendeu com isso? (paralelamente trabalhamos o posto: sentir-se invadido).
Houve vários relatos, como a mãe que lia as cartas que o filho recebia da namorada, antes de ele ler, e da esposa que pegou o chip do celular do marido e descobriu que ele tinha uma amante. Mas uma outra história destacou-se, a de uma jovem que exigiu que o marido fornecesse a ela todas as senhas de e-mails e redes sociais, com a condição de que terminaria o casamento.
O marido fez o que a esposa pediu e ela não encontrou nada acerca da possível traição. Ela continua acessando as contas dele, com a "esperança" de flagrá-lo. Perguntamos como ela se sentiria se fosse o oposto. Ela tentou desconversar, mas reconheceu que não daria a senha, que não seria legal ter alguém "fuçando" a sua vida virtual. E disse mais: "faço isso porque sei que um dia vou perdê-lo" (sobre isso escreverei no próximo post).
Concluímos que se não gostamos de ser invadidos não devemos invadir, afinal: "A minha liberdade vai até onde começa a do outro" e vice-versa. É tão fácil falar, difícil é enxergar este limite e respeitá-lo. Entendo que a falta da individuação faz com que nos sintamos misturados aos outros e com este direito de querer saber tudo sobre o outro, especialmente se o amamos ou odiamos.

domingo, 21 de outubro de 2012

Quando o pai não é o herói...


Na roda anterior de Terapia Comunitária, uma participante apresentou sua história: a busca por sua mãe que a havia deixado com a mãe adotiva. Ela localizou a mãe, morta em outubro passado. Hoje ela traz a questão do seu filho que não possui o nome do pai no registro. Agora a escola a orienta a buscar o pai do garoto. Ela está desanimada, cansada e não quer fazer isso, porque não considera relevante.
No grupo ela pode ver como é importante o nome do pai no registro de uma pessoa. Vários participantes contaram como se sentiram crescendo sem o nome do pai, enquanto outras contaram como foi complicado provar ou convencer o pai de seus filhos a registrá-los e pagarem a pensão devida.
É comum na nossa cultura valorizarmos o papel da mãe em detrimento do pai. Muitas vezes são as próprias mães que desprezam o valor do pai diante do filho. Estamos em uma época em que, no meu entendimento, começamos a dar ao pai o lugar que ele merece em nossas vidas.
Estudos recentes têm buscado entender o papel do pai desde a gestação. Qual o lugar do pai na vida de um recém-nascido? Muitas vezes ele serve apenas para carregar a bolsa ou o carrinho do bebê. Mas isso não é verdade. O pai é muito importante na vida de uma pessoa.
Assim, esta jovem pode ver sua questão de outra forma. Pode entender que é importante para o seu filho saber quem é seu pai e ser reconhecido por este. Ainda que falte o essencial: o envolvimento afetivo entre pai e filho.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sobre o viver e o morrer (Sêneca)



Nos últimos dias tenho lido Sêneca, um filósofo contemporâneo de Jesus Cristo. Como outros estoicos, ele ensinava que as emoções destrutivas resultavam de erros de julgamento. Ele escreve sobre a duração da vida, a morte e a velocidade do tempo. Um tema constantemente trazido nas rodas de terapia que realizo é a questão da morte e como lidar, suportar, conviver e aceitá-la.
De acordo com este autor o que nos distingue um dos outros é apenas o intervalo entre o nascimento e a morte. Não cabe muita coisa na duração da vida, argumenta o pensador. Quando pensamos assim trazemos a morte presente à nossa consciência (destaco que a sua presença é constante, independentemente de a reconhecermos). Quando assim o fazemos não nos desanimamos para a vida, ao contrário: “nada do que me acontecer receberei com tristeza” diz o filósofo.

Qual vida tem mais valor? A daquele que vive pouco ou a do que vive muito? Para Sêneca o que nos diferencia uns dos outros é a sabedoria. Ora, sabedoria não é cultura, educação, formação; é aceitação da finitude, da vida e da morte. Fácil falar, difícil de viver!
Em outro momento Sêneca considera que “o que importa é quão bem tu vivas e não quão longamente, e muitas vezes o bem-viver está nisso, em não viver longamente”. Para este pensador viver bem é alimentar a alma, não o corpo. Será que nossa geração tem vivido bem? Ou será que só nos preocupamos em ter um corpo lindo, uma roupa de marca, uma tecnologia de ponta? Diga-me qual é o seu viver, antes que morramos...aceitar a morte me leva a viver a vida com mais sabor e intensidade!

sábado, 6 de outubro de 2012

Filha abandonada pela mãe é exemplo de resiliência

A nossa roda de ontem foi marcada pela falta, a saudade. Uma participante nos contou que após 23 anos resolveu procurar sua mãe biológica. Ela fora deixada, aos 3 anos, com a dona de um hotel em um garimpo do nosso país, a mãe disse que voltaria, mas nunca veio buscá-la.
Esta semana amigos encontraram sua mãe, que faleceu em outubro passado, aos 41 anos. A jovem se considera feliz por saber notícias, mas que lamenta não poder abraçar e beijar a tão desejada mãe. Perguntei quais sentimentos ela tinha em relação ao abandono. Pra surpresa de todos, ela relata não se sentir abandonada, considera que sua mãe a deixou porque queria protegê-la do padrasto que não gostava dela (ele chegou a queimá-la com cigarro). “Foi bom pra mim ter ficado com minha mãe adotiva, ela me amou muito e a outra também”.
A capacidade de resiliência desta moça nos deixou encantados. Quantas vezes nós enfatizamos o que faltou e não o que nos foi oferecido pela vida? Ser capaz de superar as faltas, agradecendo pelo que recebemos, é uma capacidade que todos temos, uns mais outros menos. A falta é constituinte do ser, é a partir da falta que nos tornamos quem somos, a falta é o espaço no qual nos constituímos. Entendo que com boa vontade e conscientização podemos, como esta participante, ver o que o vazio nos oportunizou, nos viabilizou outros crescimentos.
Ao final, fizemos uma rodada onde todos tivemos a oportunidade de verbalizar o que nos faltou. Sugiram temas com o pai sempre ausente e indiferente, o carinho da mãe que partiu deixando a filha ainda criança, o pai que faleceu, a irmã que sumiu no mundo há 30 anos, a família que ficou no nordeste, a bicicleta que nunca ganhou, a irmã que nasceu morta, o filho que não veio, o pai que não assumiu a paternidade...
Por fim, convidei a todos que refletissem sobre o que tais faltas fizeram com eles: “O fato de ter saudade/falta dessas pessoas, afetos e coisas fez o que de você?” E você leitor? Já olhou a sua falta com resiliência? O que faltou pode ter feito de você uma pessoa melhor? Certamente podemos ver nossa história de outro ponto de vista. Lembrando que “cada ponto de vista é a vista de um ponto” (Leonardo Boff, em A água e a galinha).

sábado, 29 de setembro de 2012

Antidepressivo: a pílula das flores

Antes de mais nada, é preciso dizer que não sou radicalmente contra antidepressivos. Há casos em que encaminho meus clientes/pacientes para um tratamento medicamentoso com psiquiatra. Os antidepressivos são essenciais para que algumas pessoas possam viver e sobreviver a sua imensa dor. Expresso aqui um ponto de vista, dos muitos que existem e nenhum é mais certo ou errado que outro.
Há pessoas que ao passar por algum sofrimento circunstancial, como o luto, recorrem às tais pílulas. O que acontece quando qualquer pessoa que está vivendo em um mundo psiquicamente limitado, onde sua existência circunscreve-se aos destroços e lixos emocionais, opta por tomar antidepressivos? No meu ponto de vista este mundinho começa esconder os lixos, as dores, as perdas...as saudades...e no lugar de tudo isso começam a surgir flores – só que isso não viabiliza ir além, conhecer novos os horizontes, novas paisagens.
As flores são artificiais e a pessoa permanece em um espaço psíquico limitado. Entendo que é preciso passar pela dor para superá-la. Li em algum lugar que no fundo do poço tem sempre uma cama elástica que nos lança para a luz. Se você não vivenciar, se não sofrer o que tem pra sofrer (com suporte terapêutico, familiar ou social) não poderá saltar e ver além do seu microuniverso destroçado.
Flores artificiais
É possível que além dos limites do que uma pessoa triste alcança hoje existam flores reais, com aroma, cor, textura, beleza e espinhos. É preciso sofrer para compreender a dor do outro, para se identificar, para amar verdadeira e intensamente. Para viver, é preciso sentir os destroços, superá-lo e um dia viver plenamente, mesmo que a plenitude seja curta...será real.
Cito o trecho de uma música de Sérgio Pimenta:
Só quem sofreu pode avaliar quem sofreu.
Pode se identificar, pode ter o mesmo sentir.
Só quem sofreu tem palavras de puro mel

Que transmitem todo o calor para quem precisa de amor

http://www.vagalume.com.br/sergio-pimenta/so-quem-sofreu.html#ixzz27uL72jeU

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O pai sofre pela morte de um filho, mesmo no ventre

Uma das críticas que recebi na defesa do mestrado, que foram poucas, foi sobre o fato de eu ter falado apenas sobre o sofrimento psíquico materno por natimorto. Tudo bem, o meu foco era na mulher, mas e o pai? Tenho me perguntado se não foi um daqueles atos inconscientes chamado preconceito. Claro que o pai sofre, mas eu não gastei nenhuma página pra falar sobre eles.
Então, esta semana fui apresentada a um poema de Drummond, O QUE VIVEU MEIA HORA. Escrito em memória de seu primeiro filho que morrera meia hora após nascer, com o cordão enrolado no pescoço. Transcrevo-o:
O QUE VIVEU MEIA HORA 
nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo 
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos,
na mente volúvel ou cansada,
até que um dia,
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
 SER
O FILHO que não fiz 
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.
Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.
Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?
Lá onde eu jazia, 
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo 
aspira a criar-se.
O filho que não fiz
faz-se por si mesmo

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sozinha ... mas não pela metade!

Se você está lendo este texto, sugiro que leia primeiro a postagem anterior (primeira parte). A segunda metade da roda de terapia centrou-se no relato de Ana (nome fictício). Após a primeira participante (do relato anterior) narrar sua história com seu pai e as consequências que a falta do pai trouxe para sua vida, ela conta que, como sua mãe, teve três casamentos, e agora só, descobriu que é forte o suficiente para viver sozinha: “Aprendi que posso viver sem homem”.
Na sequencia, Ana identificou-se com a primeira fala e contou que sua família também fora abandonada pelo pai e que ela, ainda pequena, ajudava sua mãe a lavar e passar roupa pra fora, passava com ferro a brasa: “a tendinite que tenho hoje começou na infância...(choro). Meu marido saiu de casa pra morar com outra mulher, estou sozinha. Porém, eu aprendi com a minha mãe a valorizar o meu corpo... posso ser gorda e nem tão bonita, mas eu não achei minha perereca no lixo...o homem vai ter que ser muito bom pra ter este corpinho” (muitos risos e palmas).
O relato de Ana me faz pensar nas mulheres que não se aceitam sós, porque aprendem que seu valor está agregado ao de um companheiro. Estou lendo, pela segunda vez, o livro “Mulheres que correm com os lobos”. Este livro nos apresenta a mulher intuitiva que todas nós possuímos, umas ouvem a intuição, outras a ignoram. A mulher que ouve sua voz interior, como Ana, preserva-se. Muitas vezes entramos em relacionamentos com uma sensação (intuição) de que algo está errado, ou que não dará certo, mas insistimos. A mulher que ouve a sua voz interior sabe (consciente ou inconscientemente) que aquela pessoa é uma armadilha ou não.
Quantos desastres poderíamos evitar, para nós e nossa família, se soubéssemos duas coisas: discernir que caminho seguir e dizer NÃO para a escolha inviável no momento. Mas só podemos dizer NÃO se nos valorizarmos, se formos capazes de conviver com nós mesmas e com a solidão. 
Às vezes, estar só é dar uma oportunidade para ouvirmos nossa mulher interior, para sabermos o que queremos da vida e para onde queremos ir. Estar só pode ser uma oportunidade para nos organizarmos internamente. Estar só é apenas uma etapa, um meio, uma preparação para ficarmos inteira. Aí sim, poderemos nos relacionar com a famosa “outra metade”. Mas se eu estou inteira, que metade é essa? Fabio Jr. que me desculpe, mas metade da laranja... Duas metades diferentes nao podem ser uma unidade. O outro não é a metade que faltava, é apenas um outro que nos acrescenta (nada de subtração). Mulher, ouça sua voz interior e viva mais momentos felizes com sua melhor companhia: VOCÊ!
P.S.: Poderíamos ter cantado a música da Rita Lee: “Sei que eu sou bonita e gostosa/ E sei que você me olha e me quer/ Eu sou uma fera de pele macia/ Cuidado, garoto, eu sou perigosa/ Eu tenho veneno no doce da boca/ Eu tenho o demônio guardado no peito/ Eu tenho uma faca no brilho dos olhos ...”

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ok, eu sofri, e agora o que eu faço com tudo isso?

Sexta passada a Fátima, terapeuta, trouxe um mote fechado. Em comemoração ao dia dos pais ela perguntou: Qual a influencia de seu pai na sua vida, na sua formação? Neste dia todas as participantes eram mulheres. Uma delas iniciou: “eu só tive influencias negativas...eu tinha sete anos quando meu pai nos abandonou, fugiu com a vizinha. Ele deixou minha mãe grávida, com um filho de dois anos e eu. Logo que o bebê nasceu ela foi trabalhar e eu cuidava dos dois meninos, fazia comida e limpava a casa. Não tive infância!”
Em casos como este, em que a pessoa relata profunda mágoa é importante que o terapeuta tente tirar o foco do sofrimento, da dor, ajudar a pessoa a encontrar algo positivo para ressignificar sua história e se empoderar. Acredito que quando crianças somos vítimas de nossos pais, mas quando nos tornamos adultos podemos deixar de ser vítima e transformar a dor, tomar as rédeas de nossa vida. É como se eu dissesse: Ok, eu sofri, e agora o que eu vou fazer com tudo isso?


Então, perguntei o que ela aprendeu com o abandono. Ela disse que não aprendeu nada. Perguntei de outro modo: o que há de positivo em você que tem alguma relação com o fato de o seu pai ter faltado? Ela disse: não entendo a sua pergunta. Pela terceira vez eu perguntei, com outras palavras: em que a falta do seu pai contribuiu pra você ser a pessoa que você é hoje? Ela permaneceu calada. Outra pessoa falou: “você disse que é uma mulher forte, esta força tem alguma relação com a sua infância?” A jovem respondeu com ar de surpresa: sim, é verdade, eu sou forte e posso sustentar minhas três filhas sozinha (como minha mãe) porque eu tive que ser forte muito cedo.
Este é um exemplo de como descobrir a pérola em meio à dor, e também ilustra como funciona uma roda de TCI, de forma extremamente resumida. Destaco que esta mágoa e falta de perdão precisam ser trabalhadas, considero importante uma terapia individual. Na próxima postagem apresentarei a história que outra pessoa trouxe no momento da partilha, ela viveu algo parecido e superou o abandono.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Transformando o inferno circunstancial em um ambiente saudável

Ao retornarmos com nossos encontros na roda de conversa neste semestre, realizamos uma dinâmica. Dei um pirulito para cada com a seguinte orientação: quero tirar uma foto com todos chupando pirulito, porém...seu cotovelo não pode dobrar, com o braço estendido. Foi um alvoroço...até que uma das participantes disse: eu posso por o pirulito na boca de outra pessoa? Matou-se a charada!
Em seguida contei a seguinte história: Um dia, Deus convidou um certo homem para conhecer o céu e o inferno. Foram primeiro ao inferno. Ao abrirem uma porta, o homem viu uma sala em cujo centro havia um caldeirão de substanciosa e cheirosa sopa e à sua volta estavam várias pessoas, famintas e com um olhar que mostrava desespero. Cada uma delas segurava uma colher. As colheres tinham um cabo muito comprido que lhes possibilitava alcançar a sopa dentro do caldeirão, mas não permitia que colocassem a sopa na própria boca. O sofrimento daquelas pessoas era enorme.
Em seguida, Deus levou o homem para conhecer o céu. Entraram em uma sala idêntica à primeira: havia um caldeirão igual, as pessoas em volta segurando uma colher com cabo comprido. A diferença é que todas as pessoas estavam alegres, saciadas em sua fome. Não havia fome nem sofrimento no olhar daquelas pessoas. Eu não compreendo - Disse o homem a Deus. Por que aqui no céu as pessoas estão felizes enquanto lá no inferno morrem de fome e aflição. As duas salas são iguais, com as pessoas usando em ambas as salas colheres de cabo comprido para pegar a sopa. Deus sorriu e respondeu: Aqui no céu as pessoas aprenderam a dar comida uns aos outros.
A partir desta história convidei cada participante a refletir sobre a sua vida. Como posso transformar o meu ambiente (casa, trabalho, relacionamentos, vida financeira) em um lugar bom para se viver. Falamos sobre tomarmos atitudes positivas em relação às diversas circunstâncias de nossa vida. Várias pessoas trouxeram depoimentos sobre como transformaram um inferno em céu, aqui na terra.
Ao final, todos abraçados em círculo, um a um colocava seu pé direito à frente (ao centro) e dizia algo como: Hoje, quando chegar em casa, eu vou elogiar meu filho e não vou reclamar de nada. Ou ainda: vou falar menos no meu ambiente de trabalho. Após cada um falar todos nós colocávamos um pé a frente, e juntos, dizíamos: NÓS TE APOIAMOS!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Dedicação materna na UTI neonatal

Nossa segunda roda de TC com as mães nutrizes na maternidade de um Hospital em Brasília teve como tema principal: sentir-se presa no hospital(as mães com os filhos internados vão raramente, ou nunca, para casa). Antes de falar sobre isso eu gostaria de destacar que temos experimentado algumas dificuldades em relação à metodologia da TC. Por exemplo: não podemos cantar ou fazer uma dinâmica com movimentos intensos, pois sempre há uma ou outra mãe que teve neném naquela semana e estamos em uma maternidade. As dinâmicas limitam-se a respiração e automassagem.
Então, iniciamos nos apresentado e compartilhando as coisas boas da vida. Em seguida, demos a cada uma a oportunidade de compartilhar o que às angustiava naquele dia. Nesta roda, aconteceu algo diferente, o tema foi se desdobrando, um tema puxou outro. Fugimos bastante da metodologia da TC, mas entendo que o importante é que estas mulheres possam desabafar, falar do seu sofrimento.


O primeiro tema foi sentir-se presa no hospital. Uma mãe contou que se sente como se a vida não seguisse seu curso, que não sabe o que se passa fora do hospital. Perguntei se mais alguém se sentia assim e quais as estratégias utilizava para superar este sentimento. Duas mães compartilharam deste sentimento, porém, as demais não se identificavam com este tema. Uma jovem disse que não se sentia presa: “Eu posso ir pra casa quando eu quiser, mas eu não vou sair de perto da minha filha, porque ir pra casa estar com as coisas dela (quarto, roupa) e sem ela em casa ... vai ser pior pra mim”.
Outra mãe disse: “O que me incomoda mesmo é não poder pegar na minha filha a hora que eu quiser. Quando ela chora muito eu fico nervosa e me criticam, dizem que eu não sou capaz de cuidar da neném ... isso me deixa mais nervosa ainda ... algumas vezes eu tenho vontade de sumir daqui com a minha filha ... mas eu sei que ela está bem cuidada”.
Assim, surgiu um novo tema: sentir-se desqualificada como mãe. Ora, eu não pude deixar de me lembrar de Winnicott, segundo este autor a pessoa mais preparada para cuidar do seu filho é a sua própria mãe. No texto Objetos transicionais e fenômenos transicionais, Winnicott (1971/1975) considera que a própria mãe é a pessoa mais habilitada para cuidar do bebê de forma suficientemente boa. Pois, apenas ela pode atingir a preocupação materna primária sem adoecer (Winnicott, 1956/1993). A capacidade que a mãe tem de despojar-se dos interesses pessoais e concentrar-se na gravidez e no bebê é o que a capacita saber exatamente com se sente o filho (Winnicott, 1967).
Com o filho na UTI, pequeno, frágil e com pouco contato com ele a mulher pode ter a capacidade de desenvolver a preocupação materna primária obstruída. Nosso trabalho se deu neste sentido de ajudá-las a perceber que cada uma é capaz de desenvolver uma sintonia, uma identificação com este filho fragilizado. 

domingo, 8 de julho de 2012

Dinâmica para festa junina

Todo ano nossa roda de TC no Tribunal realiza uma festa junina. Este ano pensamos em uma dinâmica que favorecesse o vínculo entre os trabalhadores. Considero que fortalecer vínculos de amizade no ambiente de trabalho é uma forma de prevenção da saúde mental do trabalhador. Mas como fazer algo que durasse para além dos momentos de roda de terapia?
Arthur com sua afilhada
Surgiu a ideia de madrinha de fogueira. Duas semanas antes lançamos a ideia que foi muito bem aceita pelo grupo. A partir daí cada participante convidou alguém para ser sua madrinha ou padrinho de fogueira. No dia da festa junina explicamos que o padrinho ou madrinha teria a missão de cuidar, zelar, apoiar este colega de trabalho por um ano. O afilhado, caso passe por algum problema, terá um amigo (padrinho) a quem recorrer.
Eu e Valdeni, minha afilhada de fogueira
A dinâmica  seguiu da seguinte forma, a primeira participante, justifica porque convidou alguém para ser seu padrinho, explicando as características desta pessoa que a levou a querer ser afilhada dela. Então, o afilhado, com um chapéu de palha na mão, vai até sua madrinha e a convida para dar uma volta na fogueira, colocando o chapéu na cabeça da madrinha:
                Você arrudia a fugueira mais eu?
             Sim, e dispois que nóis fizer isso eu serei sua madrinha até junho do ano que vem. (Em seguida davam uma volta na fogueira artificial que montamos no local da festa, com música e palmas).
Éramos umas 40 pessoas, nos comprometemos mutuamente a sermos mais atenciosos com nossos colegas. E continuamos as comemorações com os comes e bebes.

domingo, 1 de julho de 2012

Primeira roda de TC com mães e seus bebês na UTI

Semana passada conclui uma etapa da minha vida: o mestrado. Então, é hora de novos projetos. Pois bem, iniciei uma roda de Terapia Comunitária na maternidade de um hospital em Brasília. Unindo duas paixões a TC e a maternidade, com seus bebês. Estou contando com o grande apoio de Fátima, terapeuta comunitária, que aceitou este desafio. Inicialmente tivemos algumas dificuldades, burocracias, mas iniciamos. Contamos com o apoio da psicóloga desta maternidade, que é apaixonada pelo que faz.
O grupo é formado por mães nutrizes que estão com seus bebês internados. Iniciamos falando das coisas boas da vida e todas queriam celebrar a vida do filho: “o meu fez um mês ontem, teve até festa!”. O primeiro momento teve lágrimas de alegria por ter um filho vivo, especialmente de uma mãe que anteriormente perdeu o filho em condições bem semelhantes, morte neonatal. Também destacaram a importância do apoio que uma mãe dá pra outra ali no hospital, elas se confortam e se fortalecem entre si.
Foto apenas ilustrativa
No primeiro encontro o tema que surgiu com força total foi o medo. Várias delas (todas elas, eu acho) compartilham da angústia, do pavor que as assombra a cada minuto: a possibilidade de perder o filho, de ele vir a óbito a qualquer momento. Uma mãe contou sobre o seu medo: “eu sempre verifico se meu filho está respirando” outra disse: “quando me chamam no quarto eu já tremo de medo”. Viver com esta expectativa é angustiante. A morte pode bater na porta a qualquer hora. Há bebês com apenas um quilo e cem gramas.
Perguntei como elas lidavam com este medo. Cada uma apresentou sua estratégia para conviver com o medo. Uma fica pensando no futuro, em ela e a filha saindo do hospital; outra pede animo a Deus, que a fortalece; e há as que tentam pensar em coisas boas, além do hospital. Ao final, destacamos que o medo de perder um filho é um eterno sentimento materno, e que elas terão que conviver com este sentimento para sempre. 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Cão protege bebê abandonado embaixo de uma ponte

Estava pronta pra escrever sobre a nossa roda de Terapia Comunitária de hoje quando, mais uma vez, me deparei com uma notícia sobre outro bebê abandonado. Como não escrever sobre isso se tenho, nos últimos três anos, pensado e estudado sobre a maternidade? Bem, a nova história aconteceu em Gana, o bebê foi encontrado embaixo de uma ponte, aquecido por um cachorro. Estou até vendo os comentários:  “o animal foi mais humano que a mãe”. Certamente críticas como estas surgiram.
Eu convido você a ver este episódio de um novo ponto de vista. A gestação, o parto e as horas ou dias que o sucedem são períodos que podem desencadear fortes transformações e crises na mente/psiquismo de uma mulher: psicoses gestacionais ou puerperais (no pós-parto). A relação de uma mulher com a maternidade está diretamente relacionada com a criança que ela foi e com a mãe que ela teve. A relação da gestante com sua mãe e a forma como esta a maternou, cuidou dela, exerce forte influencia no modo como a gestante irá se relacionar com a possibilidade da maternidade. Nós mulheres somos fortemente influenciadas pela relação que tivemos com nossas mães desde o útero.
Foto: Agência de Notícias de Gana
Se uma pessoa tem uma parada cardíaca após um período de luto ou stress intenso ninguém a recriminará. Cada um tem uma estrutura física e psíquica, assim como história de vida distinta. A doença mental pode desencadear-se em pessoas em contextos específicos. O que para uma pessoa é suportável para outra é extremamente sofrido, insuportável. Penso que esta mãe que deixou o seu filho numa fazenda, no mato, é uma mulher que está sofrendo profundamente, o sofrimento psíquico é uma doença e como uma doença física não é possível  controlá-la. Esta mãe pode ter ouvido vozes, tido visões que a assustaram...ou simplesmente não suportou a presença do bebê que trouxe lembranças de uma infância de rejeições e abandonos.
Ela não é apenas vítima, deve ser, de alguma forma trazida à consciência de seus atos. Mas, insisto que não julguemos antes de conhecermos a história desta mulher. Não vou ser simplória e dizer que poderia ter sido comigo, ou com você. Não, eu não tenho esta estrutura psíquica, talvez você também não tenha. Porém, há muitas mulheres que estão sujeitas a esta fragilidade psíquica na gestação e no parto. Vamos respeitar os que sofrem na alma/psiquê? 
Pode não ser nada disso. Quem sabe outra pessoa pegou o bebê da mãe e o abandonou...Cada cabeça um mundo.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O STF não criou uma terceira exceção ao aborto

O Brasil é um país fortemente influenciado por valores cristãos. Nota-se isto no papel central que a maternidade ocupa na sociedade e no fato de o aborto provocado, um problema de saúde pública, ainda causar tanta comoção popular. Quero aqui, apenas discutir a questão do anencéfalo no contexto da sociedade brasileira.No Código Penal Brasileiro (DECRETO-LEI Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) há duas exceções para realização de aborto: quando a gravidez oferece risco de vida para a mãe ou quando o feto em gestação é resultado de estupro, mesmo sendo o feto viável, potencialmente uma vida saudável. Porém, mesmo quando o feto não tem esperança de sobrevida após o nascimento, como o anencéfalo, a lei não permite a realização de aborto. Para exemplificar sobre a postura da sociedade em relação ao aborto, lembro a recente polêmica nacional em torno da “antecipação do parto” de feto com anencefalia (má formação rara, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo da calota craniana, nas primeiras semanas da formação embrionária). Em abril deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não caracteriza crime de aborto tipificado no Código Penal a mulher que decide pela “antecipação do parto” em caso de gravidez de feto anencéfalo. O STF não legislou acerca do aborto, legislar é competência do Congresso Nacional, não criou uma terceira exceção para o aborto. A Corte atentou não para o início da vida, mas para sua potencialidade. No caso de fetos com anencefalia, sabe-se que não há, potencialmente, possibilidade de vida após o nascimento. Sob esse ângulo, a curetagem de um feto anencéfalo deixa de ser um aborto, no sentido jurídico da expressão. Se não há possibilidade de concretização da vida, não há crime contra a vida, portanto, não é aborto.Independente da expressão, antecipação do parto ou aborto, a decisão causou grande comoção popular. Religiosos ou não se manifestaram a favor da vida, não levando em conta o sofrimento psíquico da mulher que carrega um filho potencialmente morto no ventre, semelhante ao natimorto. Este fato ilustra que a maternidade ainda é considerada um dom. Tendo a mulher que se submeter a qualquer sacrifício em função de um filho. O que está de acordo com a afirmação de Badinter (1985) de que a maternidade é influenciada e sacralizada pela cultura cristã ocidental. 

sábado, 19 de maio de 2012

Dinâmica de autoconhecimento

Na tentativa de elevar o nível de autoconhecimento de cada participante da nossa roda de TC, propus uma dinâmica e a adaptei. Não realizamos uma TC. Pedi que cada um pensasse em um animal e apenas dissesse o nome do animal (um breve aquecimento). Em seguida, falei um pouco sobre a capacidade que temos de nos identificarmos com pessoas e coisas, e pedi para cada um escolher o animal com o qual se identifica.
No segundo momento nos dividimos em trios e compartilhamos uns com os outros as qualidades de algum animal que cada um identifica em si. Uma jovem disse que é uma onça, é sorrateira e está sempre pronta para defender seus filhos. Ainda em pequenos grupos cada um escolheu uma característica sua que gostaria de mudar (perceba que eu não perguntei o que a pessoa tem de ruim ou negativo). Alguém disse que gostaria de ser mais flexível como o bambu (sei que não é um animal), menos rígido; outro, mais criativo como o macaco.
Ao falar de si a pessoa começa a conhecer o que traz por baixo da máscara
O último momento foi na grande roda. Uma pessoa começou contando que se sente ativo como um coelho, e narrou alguns episódios de sua vida. Na sequência perguntei o que ele gostaria de mudar, ele disse que queria ser mais calmo. Então, eu perguntei ao grupo quem se identificava com ele e porque. E assim quase todos puderam falar um pouco de si. Foi interessante notar que conforme eu ia perguntando a pessoa ia tendo dificuldade em responder questões sobre ela mesma. Não vou entrar em detalhes, mas com umas três pessoas eu “peguei pesado” apontei as defesas e contradições no discurso.
Foi interessante notar que pessoas que nunca falam no grande grupo quando falam de si no pequeno grupo têm mais disponibilidade para falar na roda. Um jovem, que nunca fala na roda, falou com desenvoltura e eu tive que interrompê-lo depois de ele falar bastante. Penso que o segredo desta dinâmica está em o terapeuta fazer as perguntas certas, ajudando as pessoas a se identificarem umas com as outras, conhecendo-se melhor.
DICAS: Peça que a pessoa exemplifique o traço com o qual identificou –se com o animal. A partir daí aprofunde, se necessário. Em seguida pergunte quem se identifica com ela e o que ela sente ao ouvir o colega falar sobre algo que também é dela. Às vezes é mais fácil ouvir o outro que a nós mesmos. Cada roda toma um caminho diferente espero que a sua seja um sucesso.