Esta semana amigos encontraram sua mãe, que faleceu em
outubro passado, aos 41 anos. A jovem se considera feliz por saber notícias, mas que
lamenta não poder abraçar e beijar a tão desejada mãe. Perguntei quais
sentimentos ela tinha em relação ao abandono. Pra surpresa de todos, ela relata
não se sentir abandonada, considera que sua mãe a deixou porque queria protegê-la
do padrasto que não gostava dela (ele chegou a queimá-la com cigarro). “Foi bom
pra mim ter ficado com minha mãe adotiva, ela me amou muito e a outra também”.
A capacidade de resiliência desta moça nos deixou encantados.
Quantas vezes nós enfatizamos o que faltou e não o que nos foi oferecido pela
vida? Ser capaz de superar as faltas, agradecendo pelo que recebemos, é uma
capacidade que todos temos, uns mais outros menos. A falta é constituinte do ser, é a partir da falta que nos tornamos quem somos, a falta é o espaço no qual nos constituímos. Entendo que com boa vontade
e conscientização podemos, como esta participante, ver o que o vazio nos oportunizou, nos viabilizou outros crescimentos.
Ao final, fizemos uma rodada onde todos tivemos a
oportunidade de verbalizar o que nos faltou. Sugiram temas com o pai sempre
ausente e indiferente, o carinho da mãe que partiu deixando a filha ainda
criança, o pai que faleceu, a irmã que sumiu no mundo há 30 anos, a família que
ficou no nordeste, a bicicleta que nunca ganhou, a irmã que nasceu morta, o
filho que não veio, o pai que não assumiu a paternidade...
Por fim, convidei a todos que refletissem sobre o que tais
faltas fizeram com eles: “O fato de ter saudade/falta dessas pessoas, afetos e
coisas fez o que de você?” E você leitor? Já olhou a sua falta com resiliência?
O que faltou pode ter feito de você uma pessoa melhor? Certamente podemos ver
nossa história de outro ponto de vista. Lembrando que “cada ponto de vista é a
vista de um ponto” (Leonardo Boff, em A água e a galinha).
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