quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O pai sofre pela morte de um filho, mesmo no ventre

Uma das críticas que recebi na defesa do mestrado, que foram poucas, foi sobre o fato de eu ter falado apenas sobre o sofrimento psíquico materno por natimorto. Tudo bem, o meu foco era na mulher, mas e o pai? Tenho me perguntado se não foi um daqueles atos inconscientes chamado preconceito. Claro que o pai sofre, mas eu não gastei nenhuma página pra falar sobre eles.
Então, esta semana fui apresentada a um poema de Drummond, O QUE VIVEU MEIA HORA. Escrito em memória de seu primeiro filho que morrera meia hora após nascer, com o cordão enrolado no pescoço. Transcrevo-o:
O QUE VIVEU MEIA HORA 
nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo 
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos,
na mente volúvel ou cansada,
até que um dia,
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
 SER
O FILHO que não fiz 
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.
Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.
Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?
Lá onde eu jazia, 
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo 
aspira a criar-se.
O filho que não fiz
faz-se por si mesmo

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