O Brasil é um país fortemente influenciado por
valores cristãos. Nota-se isto no papel central que a maternidade ocupa na
sociedade e no fato de o aborto provocado, um problema de saúde pública, ainda causar tanta comoção popular. Quero aqui, apenas discutir a questão do anencéfalo no contexto da sociedade brasileira.No Código Penal Brasileiro (DECRETO-LEI Nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940) há duas exceções para realização de aborto: quando a
gravidez oferece risco de vida para a mãe ou quando o feto em gestação é
resultado de estupro, mesmo sendo o feto viável, potencialmente uma vida saudável. Porém, mesmo quando o feto não
tem esperança de sobrevida após o nascimento, como o anencéfalo, a lei não
permite a realização de aborto. Para exemplificar sobre a postura da sociedade em
relação ao aborto, lembro a recente polêmica nacional em torno da “antecipação
do parto” de feto com anencefalia (má formação rara, caracterizada
pela ausência parcial do encéfalo da calota craniana, nas primeiras semanas da
formação embrionária). Em abril deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que não caracteriza crime de aborto tipificado no Código Penal a mulher
que decide pela “antecipação do parto” em caso de gravidez de feto anencéfalo.
O STF não legislou acerca do aborto, legislar é competência do Congresso
Nacional, não criou uma terceira exceção para o aborto. A Corte atentou não
para o início da vida, mas para sua potencialidade. No caso de fetos com
anencefalia, sabe-se que não há, potencialmente, possibilidade de vida após o
nascimento. Sob esse ângulo, a curetagem de um feto anencéfalo deixa de ser um
aborto, no sentido jurídico da expressão. Se não há possibilidade de
concretização da vida, não há crime contra a vida, portanto, não é aborto. Independente da expressão, antecipação do parto ou
aborto, a decisão causou grande comoção popular. Religiosos ou não se
manifestaram a favor da vida, não levando em conta o sofrimento psíquico da
mulher que carrega um filho potencialmente morto no ventre, semelhante ao
natimorto. Este fato ilustra que a maternidade ainda
é considerada um dom. Tendo a mulher que se submeter a
qualquer sacrifício em função de um filho. O que está de acordo com a
afirmação de Badinter (1985) de que a maternidade é influenciada e sacralizada
pela cultura cristã ocidental.
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