sábado, 29 de setembro de 2012

Antidepressivo: a pílula das flores

Antes de mais nada, é preciso dizer que não sou radicalmente contra antidepressivos. Há casos em que encaminho meus clientes/pacientes para um tratamento medicamentoso com psiquiatra. Os antidepressivos são essenciais para que algumas pessoas possam viver e sobreviver a sua imensa dor. Expresso aqui um ponto de vista, dos muitos que existem e nenhum é mais certo ou errado que outro.
Há pessoas que ao passar por algum sofrimento circunstancial, como o luto, recorrem às tais pílulas. O que acontece quando qualquer pessoa que está vivendo em um mundo psiquicamente limitado, onde sua existência circunscreve-se aos destroços e lixos emocionais, opta por tomar antidepressivos? No meu ponto de vista este mundinho começa esconder os lixos, as dores, as perdas...as saudades...e no lugar de tudo isso começam a surgir flores – só que isso não viabiliza ir além, conhecer novos os horizontes, novas paisagens.
As flores são artificiais e a pessoa permanece em um espaço psíquico limitado. Entendo que é preciso passar pela dor para superá-la. Li em algum lugar que no fundo do poço tem sempre uma cama elástica que nos lança para a luz. Se você não vivenciar, se não sofrer o que tem pra sofrer (com suporte terapêutico, familiar ou social) não poderá saltar e ver além do seu microuniverso destroçado.
Flores artificiais
É possível que além dos limites do que uma pessoa triste alcança hoje existam flores reais, com aroma, cor, textura, beleza e espinhos. É preciso sofrer para compreender a dor do outro, para se identificar, para amar verdadeira e intensamente. Para viver, é preciso sentir os destroços, superá-lo e um dia viver plenamente, mesmo que a plenitude seja curta...será real.
Cito o trecho de uma música de Sérgio Pimenta:
Só quem sofreu pode avaliar quem sofreu.
Pode se identificar, pode ter o mesmo sentir.
Só quem sofreu tem palavras de puro mel

Que transmitem todo o calor para quem precisa de amor

http://www.vagalume.com.br/sergio-pimenta/so-quem-sofreu.html#ixzz27uL72jeU

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O pai sofre pela morte de um filho, mesmo no ventre

Uma das críticas que recebi na defesa do mestrado, que foram poucas, foi sobre o fato de eu ter falado apenas sobre o sofrimento psíquico materno por natimorto. Tudo bem, o meu foco era na mulher, mas e o pai? Tenho me perguntado se não foi um daqueles atos inconscientes chamado preconceito. Claro que o pai sofre, mas eu não gastei nenhuma página pra falar sobre eles.
Então, esta semana fui apresentada a um poema de Drummond, O QUE VIVEU MEIA HORA. Escrito em memória de seu primeiro filho que morrera meia hora após nascer, com o cordão enrolado no pescoço. Transcrevo-o:
O QUE VIVEU MEIA HORA 
nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo 
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos,
na mente volúvel ou cansada,
até que um dia,
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
 SER
O FILHO que não fiz 
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.
Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.
Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?
Lá onde eu jazia, 
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo 
aspira a criar-se.
O filho que não fiz
faz-se por si mesmo