domingo, 31 de julho de 2011

Três anos de TCI em um órgão público

Nossa roda com os adultos, nesta semana, foi de celebração. Éramos mais de 40 pessoas reunidas. Não foi uma roda de TCI, mas de "causos". Numa primeira rodada falamos sobre o que tínhamos a comemorar: aniversários, aprovações, superações, vitórias, aprendizados e alegrias. Depois abrimos para os "causos", foram histórias do passado, gente que não passou fome ou dormiu na rua porque achou dinheiro na rua. Cada história era ilustrada por uma música ou por uma piada.
Neste dia falamos dos vícios e desgraças da vida de uma forma engraçada. Um dos temas foi o alcoolismo, não falamos, neste dia, das tristezas e mortes que o vício impõe às famílias. Contamos piadas de bebuns que fazem de tudo por uma bebida.
Há alguns participantes que estão na roda desde o primeiro encontro, outros já não trabalham mais por ali e muitos novos chegaram. Em três anos percebemos que os participantes aprenderam a falar mais de si, a se  conhecerem melhor, a ensinarem com suas experiências. Eu percebo melhoria nas habilidades sociais como falar em público e saber ouvir sem criticar ou aconselhar. O que antes estava misturado (o que é meu e o que é do outro), nos últimos tempo, tem ocupado lugar distinto na vida das pessoas, cada coisa no seu lugar. Os participantes da roda começam a perceber que cada pessoa é uma e que o ponto de vista de uma nunca é o mesmo da outra. É muito bom ver as pessoas crescendo juntas e eu tenho aprendido muito com este grupo, que para mim vale ouro.

sábado, 23 de julho de 2011

Violência doméstica e o sofrimento dos filhos

Hoje tivemos uma roda de Terapia com os adolescentes. Um garoto disse: As brigas dos meus pais me tiram o sono. Foi como pipoca na panela, uma estourando após a outra. Vários meninos contaram suas experiências. Pais que se separaram em função da violência, mães que apanham de padrastos, tios que espancam as tias, mães que maltratam os filhos.
Enquanto eles falavam um misto de tristeza e amor materno me invadia: Meu Deus! Se eu pudesse tirá-los deste ambiente...como posso aliviar estas dores...será que o que eu faço faz alguma diferença? Então eu agi, como diria Winnicott, de forma espontânea e cuidadora.
Eu ouvi atentamente cada história. Tentei ajudar cada um a nomear os sentimentos em meio a esses contextos de violência. O clima foi ficando sério, pesado, os garotos que riam e debochavam dos outros se calaram, por respeito e identificação com o tema. Eu perguntava no momento da partilha: você sabe o que sente o fulano ao ver os pais brigando porque você também sentiu medo, não é?
Dois garotos apresentaram a forma como a família superou: Nós deitávamos todos juntos e chorávamos juntos. Um dia, que a minha mãe tava calma, nós falamos que não agüentávamos mais tanta violência, que ela tinha que parar, antes que algo pior acontecesse...ela teve agente muito nova, não tava preparada, ela fazia coisa que nenhuma mãe faz. A partir desse dia tudo começou a mudar.
Outro menino contou que os pais separaram após vários espancamentos mútuos. Sua mãe se casou novamente, agora são evangélicos, resolvem as diferenças conversando e que o casamento deles se fortalece a cada dia e o amor aumenta. Outros participantes ainda não superaram, continuam vivendo com medo.
Concluímos que é muito triste viver a violência em casa, que as marcas (os traumas) ficam. Chamei a atenção para o fato de que alguns deles têm reproduzido a violência com os colegas e irmãos. A conotação positiva foi para a força que eles têm para continuarem vivos e cheios de vida em meio à violência. Ao final tentei falar de paz, todos falaram palavras positivas como: esperança, paz, educação, respeito, alegria, harmonia, diversão, tranqüilidade. Terminamos de mãos dadas e com um grito coletivo da palavra AMOR!
Saiba mais sobre a violência doméstica infantil no Brasil: http://sites.google.com/site/violenciainfantilturma3107/violencia-domestica-infantil

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O terapeuta comunitário atuando com adolescentes e crianças

Considero essencial a postura do terapeuta comunitário no trato com crianças e adolescentes, mais central que numa roda com adultos. Este meu argumento se baseia no fato de que os pequenos participantes ainda estão em formação, tanto física, como psíquica e moral. Estão em busca de modelos a seguir. Prova disso é a forma como eles vêm seus ídolos, eles idolatram incondicionalmente alguns cantores, grupos ou jogadores. No microssistema (bairro ou escola) eles se agregam em turmas ou gangues, que confirmem a identidade do grupo. Eles querem dizer quem são, qual o seu perfil.
Feita esta introdução digo que a figura do terapeuta é central, como modelo, padrão de valores a seguir, modelo de afeto, de respeito. O olhar confirmador do terapeuta, como a conotação positiva, pode desencadear um processo de mudança inimaginável. Mas é preciso que o terapeuta acredite que isso pode acontecer. Todos os jovens participantes de uma roda são resilientes e podem transformar suas feridas em pérolas.
O terapeuta demonstra que acredita no grupo antes de iniciar a roda, quando ele a prepara com antecedência. Observe a faixa etária, o perfil, os interesses eescolha a dinâmica apropriada para eles. Se errar...tente outra. Após a roda avalie SEMPRE, é muito importante, identifique o que deu errado e invista no que foi sucesso, eles adoram atividades repetidas, que eles já conhecem. Se eles gostaram muito de uma dinâmica, pergunte se querem repeti-la em outra roda. Mas tenha sempre um plano B. Prepare duas ou três dinâmicas para caso de eventualidades.
Durante as rodas, seja firme e amoroso ao mesmo tempo. Como? Cada terapeuta tem suas características. Se você é muito meiguinha encontre um parceiro que seja mais firme, menos flexível e vice-versa. Sempre cumpra o que prometeu, nunca prometa o que não pode cumprir. Seja flexível, mas com moderação. Tenha o controle total da terapia, exija que sigam as regras.
Vou contar uma historinha que aconteceu comigo: eu sempre cobro que sigam as regras, eles até criaram algumas como levantar a mão pra falar. Um dia eles estavam muito agitados e eu disse: meninos eu deixei meus filhos sozinhos e dirigi 30 quilômetros pra estar com vocês. Eu amo estar com vocês, mas quero ser respeitada, como eu respeito vocês. Se vocês continuarem com esta bagunça eu vou embora.
Acho que estávamos na escolha do tema quando eu pedi pela segunda vez por colaboração e silêncio. Então um deles foi muito desrespeitoso comigo. Eu disse: eu não admito ser tratada desta forma. Quero ser tratada com o mesmo respeito que trato vocês. Pequei minha bolsa e fui embora. No outro sábado eu não apareci, eu realmente estava chateada. Quando voltei...(me emociono ao lembrar) nunca fui tão bem tratada, aí eu retribui com abraços e beijos. Foi um dia especial pra mim!

sábado, 9 de julho de 2011

TCI com adolescentes e crianças

No último mês tenho recebido vários emails, de pessoas interessadas em conhecer mais sobre a terapia comunitária com crianças e adolescentes. Então, resolvi postar algumas repostas que tenho dado aos internautas (em duas partes).
Há pouca coisa publicada sobre a TCI com crianças, pelo menos até onde eu sei. Lançaremos um livro em agosto: A TCI sem fronteiras, no VI Congresso Brasileiro de TCI, de 31 de agosto a 3 de setembro, em Santos. Neste livro há um capítulo meu sobre a Terapia Comunitária e a sua importância na formação de novos padrões vinculares para crianças e adolescentes.
Já soube de rodas com crianças em que a escolha do tema, terminou em briga e terapia foi interrompida, acabou na votação. Houve empate na escolha do tema e os terapeutas refizeram a votação, os que queriam falar sobre o tema que não foi escolhido saíram da roda. Isso quase aconteceu comigo. O que eu fiz? Uma vez propus que no final faríamos outra roda pra discutir o tema com os interessados. No final da terapia, eu encerrei a roda e falei: agora vamos discutir o tema da quadra de esportes do bairro, quem quiser pode sair. Quase todos ficaram. Outra vez trabalhamos os dois temas, primeiro um e depois o outro; numa roda com temas semelhantes eu juntei os dois temas em um só mote, que contemplou as duas crianças e todo o grupo.
Aprendi que não podemos fazer uma roda de TCI com crianças sem preparo. Sente, pense, escolha a dinâmica apropriada para a idade, material necessário: papel, giz, barbante etc... A dinâmica deve ser a cara do grupo. Como faço com garotos, que querem jogar futebol logo após a roda, faço atividades/dinâmicas curtas. Porém, se você é professora...em uma sala de aula a dinâmica pode ser longa, se temos tempo e as crianças estão disponíveis, podemos estender a dinâmica. O tempo de duração também está diretamente relacionado à idade dos participantes. Se são crianças entre 6 e 9 anos, eu penso que a terapia não deve durar mais de meia hora. Mas se são adolescentes de 13 a 17 podemos estender o tempo e nos aprofundar, com perguntas que os ajudem a refletir mais sobre o tema.
A próxima postagem será sobre a importância e atitude do terapeuta numa roda de TCI com adolescentes.
Publicação que cita TC com crianças, espero que ajude os interessados:

sábado, 2 de julho de 2011

TC: possibilidades de resiliências

Após a dinâmica, que postei anteriormente, eu perguntei quem gostaria de desenvolver o que havia apresentado brevemente. Uma participante contou como tem sido difícil pra ela ver a sua filha mentindo. Ela disse que teve que pressionar a jovem a contar o que estava acontecendo: “eu já sabia que ela estava grávida, mas queria ouvir dela...eu fui a última a saber...” Acontece que a filha é muito jovem e engravidou de um homem bem mais velho. Esta mãe sempre falou com as filhas, são três, que não apoiaria nenhuma gravidez antes do casamento: nas palavras dela: “tem que assumir sozinha o erro que cometeu”. A própria mãe também engravidou cedo, casou-se com 16 anos e sofreu muito no casamento; "minha mãe nunca apoiou meus erros". A filha mais velha também engravidou cedo e fugiu de casa porque a mãe (a participante) não apoiou. Agora a segunda filha está com quatro meses de gestação. Enfim, o problema que ela trouxe é basicamente: “como vou contar pro meu marido? (que não é o pai desta segunda filha, apenas da terceira); terei que cumprir minha palavra e não apoiá-la, como minha mãe fez comigo. O pai da criança não vai assumir e minha filha nem trabalha ainda!” Perguntei ao grupo quem já havia passado por uma situação semelhante. Quase todos tinham algo a contar, três mulheres contaram que também engravidaram cedo e não tiveram o apoio da família. Cada uma agiu de uma forma diferente quando as filhas cresceram: Uma delas contou que a filha engravidou nas mesmas condições e a família a apoiou, vejo aqui uma família resiliente; Outra mãe disse que assim que a filha contou que não era mais virgem ela levou a filha e o namorado ao ginecologista, para orientações e preservativos; A terceira sempre foi uma mãe que falava de tudo abertamente, mas que põe limites para a filha, como horário pra chegar, a mais nova não pode namorar etc..., mas já deu preservativo para a filha mais velha e orientou a tomar remédio quando resolver iniciar a vida sexual: “eu cuido, mas sei que quando ela quiser vai fazer, quer eu queira quer não...e tudo que é proibido é mais atraente, então eu não proíbo, só oriento”. Apessoa que apresentou a questão ouviu estas e outras falas, inclusive de homens. Ao final ela disse: "continuo não aceitando, não vou apoiar este erro". Eu pedi pra ela acolher aquelas falas e pensar um pouco mais antes de agir. Percebo que cada ser humano percebe e elabora de forma única sua experiência de vida. Uma ressignificou seu sofrimento e, de forma resiliente, aceitou a gravidez da filha. A segundo agiu de forma preventiva e franca; a outra cuida para que não se repita a mesma história. Mas, numa roda de TC, observando a resiliência da outra é possivel reinventar formas diferentes de convivência em família, que não a dos nossos pais. Após duas semanas a participante pediu pra falar, na roda: "consegui contar pro meu marido, conversei com minha filha, eu não disse que iria apoiá-la, mas também não vou jogá-la na rua, né!". Muitas vezes é preciso romper com as tradições, deixá-las presas numa fotografia e fazer diferente!