quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sozinha ... mas não pela metade!

Se você está lendo este texto, sugiro que leia primeiro a postagem anterior (primeira parte). A segunda metade da roda de terapia centrou-se no relato de Ana (nome fictício). Após a primeira participante (do relato anterior) narrar sua história com seu pai e as consequências que a falta do pai trouxe para sua vida, ela conta que, como sua mãe, teve três casamentos, e agora só, descobriu que é forte o suficiente para viver sozinha: “Aprendi que posso viver sem homem”.
Na sequencia, Ana identificou-se com a primeira fala e contou que sua família também fora abandonada pelo pai e que ela, ainda pequena, ajudava sua mãe a lavar e passar roupa pra fora, passava com ferro a brasa: “a tendinite que tenho hoje começou na infância...(choro). Meu marido saiu de casa pra morar com outra mulher, estou sozinha. Porém, eu aprendi com a minha mãe a valorizar o meu corpo... posso ser gorda e nem tão bonita, mas eu não achei minha perereca no lixo...o homem vai ter que ser muito bom pra ter este corpinho” (muitos risos e palmas).
O relato de Ana me faz pensar nas mulheres que não se aceitam sós, porque aprendem que seu valor está agregado ao de um companheiro. Estou lendo, pela segunda vez, o livro “Mulheres que correm com os lobos”. Este livro nos apresenta a mulher intuitiva que todas nós possuímos, umas ouvem a intuição, outras a ignoram. A mulher que ouve sua voz interior, como Ana, preserva-se. Muitas vezes entramos em relacionamentos com uma sensação (intuição) de que algo está errado, ou que não dará certo, mas insistimos. A mulher que ouve a sua voz interior sabe (consciente ou inconscientemente) que aquela pessoa é uma armadilha ou não.
Quantos desastres poderíamos evitar, para nós e nossa família, se soubéssemos duas coisas: discernir que caminho seguir e dizer NÃO para a escolha inviável no momento. Mas só podemos dizer NÃO se nos valorizarmos, se formos capazes de conviver com nós mesmas e com a solidão. 
Às vezes, estar só é dar uma oportunidade para ouvirmos nossa mulher interior, para sabermos o que queremos da vida e para onde queremos ir. Estar só pode ser uma oportunidade para nos organizarmos internamente. Estar só é apenas uma etapa, um meio, uma preparação para ficarmos inteira. Aí sim, poderemos nos relacionar com a famosa “outra metade”. Mas se eu estou inteira, que metade é essa? Fabio Jr. que me desculpe, mas metade da laranja... Duas metades diferentes nao podem ser uma unidade. O outro não é a metade que faltava, é apenas um outro que nos acrescenta (nada de subtração). Mulher, ouça sua voz interior e viva mais momentos felizes com sua melhor companhia: VOCÊ!
P.S.: Poderíamos ter cantado a música da Rita Lee: “Sei que eu sou bonita e gostosa/ E sei que você me olha e me quer/ Eu sou uma fera de pele macia/ Cuidado, garoto, eu sou perigosa/ Eu tenho veneno no doce da boca/ Eu tenho o demônio guardado no peito/ Eu tenho uma faca no brilho dos olhos ...”

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ok, eu sofri, e agora o que eu faço com tudo isso?

Sexta passada a Fátima, terapeuta, trouxe um mote fechado. Em comemoração ao dia dos pais ela perguntou: Qual a influencia de seu pai na sua vida, na sua formação? Neste dia todas as participantes eram mulheres. Uma delas iniciou: “eu só tive influencias negativas...eu tinha sete anos quando meu pai nos abandonou, fugiu com a vizinha. Ele deixou minha mãe grávida, com um filho de dois anos e eu. Logo que o bebê nasceu ela foi trabalhar e eu cuidava dos dois meninos, fazia comida e limpava a casa. Não tive infância!”
Em casos como este, em que a pessoa relata profunda mágoa é importante que o terapeuta tente tirar o foco do sofrimento, da dor, ajudar a pessoa a encontrar algo positivo para ressignificar sua história e se empoderar. Acredito que quando crianças somos vítimas de nossos pais, mas quando nos tornamos adultos podemos deixar de ser vítima e transformar a dor, tomar as rédeas de nossa vida. É como se eu dissesse: Ok, eu sofri, e agora o que eu vou fazer com tudo isso?


Então, perguntei o que ela aprendeu com o abandono. Ela disse que não aprendeu nada. Perguntei de outro modo: o que há de positivo em você que tem alguma relação com o fato de o seu pai ter faltado? Ela disse: não entendo a sua pergunta. Pela terceira vez eu perguntei, com outras palavras: em que a falta do seu pai contribuiu pra você ser a pessoa que você é hoje? Ela permaneceu calada. Outra pessoa falou: “você disse que é uma mulher forte, esta força tem alguma relação com a sua infância?” A jovem respondeu com ar de surpresa: sim, é verdade, eu sou forte e posso sustentar minhas três filhas sozinha (como minha mãe) porque eu tive que ser forte muito cedo.
Este é um exemplo de como descobrir a pérola em meio à dor, e também ilustra como funciona uma roda de TCI, de forma extremamente resumida. Destaco que esta mágoa e falta de perdão precisam ser trabalhadas, considero importante uma terapia individual. Na próxima postagem apresentarei a história que outra pessoa trouxe no momento da partilha, ela viveu algo parecido e superou o abandono.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Transformando o inferno circunstancial em um ambiente saudável

Ao retornarmos com nossos encontros na roda de conversa neste semestre, realizamos uma dinâmica. Dei um pirulito para cada com a seguinte orientação: quero tirar uma foto com todos chupando pirulito, porém...seu cotovelo não pode dobrar, com o braço estendido. Foi um alvoroço...até que uma das participantes disse: eu posso por o pirulito na boca de outra pessoa? Matou-se a charada!
Em seguida contei a seguinte história: Um dia, Deus convidou um certo homem para conhecer o céu e o inferno. Foram primeiro ao inferno. Ao abrirem uma porta, o homem viu uma sala em cujo centro havia um caldeirão de substanciosa e cheirosa sopa e à sua volta estavam várias pessoas, famintas e com um olhar que mostrava desespero. Cada uma delas segurava uma colher. As colheres tinham um cabo muito comprido que lhes possibilitava alcançar a sopa dentro do caldeirão, mas não permitia que colocassem a sopa na própria boca. O sofrimento daquelas pessoas era enorme.
Em seguida, Deus levou o homem para conhecer o céu. Entraram em uma sala idêntica à primeira: havia um caldeirão igual, as pessoas em volta segurando uma colher com cabo comprido. A diferença é que todas as pessoas estavam alegres, saciadas em sua fome. Não havia fome nem sofrimento no olhar daquelas pessoas. Eu não compreendo - Disse o homem a Deus. Por que aqui no céu as pessoas estão felizes enquanto lá no inferno morrem de fome e aflição. As duas salas são iguais, com as pessoas usando em ambas as salas colheres de cabo comprido para pegar a sopa. Deus sorriu e respondeu: Aqui no céu as pessoas aprenderam a dar comida uns aos outros.
A partir desta história convidei cada participante a refletir sobre a sua vida. Como posso transformar o meu ambiente (casa, trabalho, relacionamentos, vida financeira) em um lugar bom para se viver. Falamos sobre tomarmos atitudes positivas em relação às diversas circunstâncias de nossa vida. Várias pessoas trouxeram depoimentos sobre como transformaram um inferno em céu, aqui na terra.
Ao final, todos abraçados em círculo, um a um colocava seu pé direito à frente (ao centro) e dizia algo como: Hoje, quando chegar em casa, eu vou elogiar meu filho e não vou reclamar de nada. Ou ainda: vou falar menos no meu ambiente de trabalho. Após cada um falar todos nós colocávamos um pé a frente, e juntos, dizíamos: NÓS TE APOIAMOS!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Dedicação materna na UTI neonatal

Nossa segunda roda de TC com as mães nutrizes na maternidade de um Hospital em Brasília teve como tema principal: sentir-se presa no hospital(as mães com os filhos internados vão raramente, ou nunca, para casa). Antes de falar sobre isso eu gostaria de destacar que temos experimentado algumas dificuldades em relação à metodologia da TC. Por exemplo: não podemos cantar ou fazer uma dinâmica com movimentos intensos, pois sempre há uma ou outra mãe que teve neném naquela semana e estamos em uma maternidade. As dinâmicas limitam-se a respiração e automassagem.
Então, iniciamos nos apresentado e compartilhando as coisas boas da vida. Em seguida, demos a cada uma a oportunidade de compartilhar o que às angustiava naquele dia. Nesta roda, aconteceu algo diferente, o tema foi se desdobrando, um tema puxou outro. Fugimos bastante da metodologia da TC, mas entendo que o importante é que estas mulheres possam desabafar, falar do seu sofrimento.


O primeiro tema foi sentir-se presa no hospital. Uma mãe contou que se sente como se a vida não seguisse seu curso, que não sabe o que se passa fora do hospital. Perguntei se mais alguém se sentia assim e quais as estratégias utilizava para superar este sentimento. Duas mães compartilharam deste sentimento, porém, as demais não se identificavam com este tema. Uma jovem disse que não se sentia presa: “Eu posso ir pra casa quando eu quiser, mas eu não vou sair de perto da minha filha, porque ir pra casa estar com as coisas dela (quarto, roupa) e sem ela em casa ... vai ser pior pra mim”.
Outra mãe disse: “O que me incomoda mesmo é não poder pegar na minha filha a hora que eu quiser. Quando ela chora muito eu fico nervosa e me criticam, dizem que eu não sou capaz de cuidar da neném ... isso me deixa mais nervosa ainda ... algumas vezes eu tenho vontade de sumir daqui com a minha filha ... mas eu sei que ela está bem cuidada”.
Assim, surgiu um novo tema: sentir-se desqualificada como mãe. Ora, eu não pude deixar de me lembrar de Winnicott, segundo este autor a pessoa mais preparada para cuidar do seu filho é a sua própria mãe. No texto Objetos transicionais e fenômenos transicionais, Winnicott (1971/1975) considera que a própria mãe é a pessoa mais habilitada para cuidar do bebê de forma suficientemente boa. Pois, apenas ela pode atingir a preocupação materna primária sem adoecer (Winnicott, 1956/1993). A capacidade que a mãe tem de despojar-se dos interesses pessoais e concentrar-se na gravidez e no bebê é o que a capacita saber exatamente com se sente o filho (Winnicott, 1967).
Com o filho na UTI, pequeno, frágil e com pouco contato com ele a mulher pode ter a capacidade de desenvolver a preocupação materna primária obstruída. Nosso trabalho se deu neste sentido de ajudá-las a perceber que cada uma é capaz de desenvolver uma sintonia, uma identificação com este filho fragilizado.