sábado, 22 de outubro de 2011

Terapia Comunitária e Psicodrama

Há muito tempo que eu desejo trabalhar com esta dobradinha TCI e Psicodrama. O desejo pode mover montanhas. Eu e Arthur, que estamos conduzindo o grupo de TC no TST, combinamos que assim que houvesse oportunidade introduziríamos com o Psicodrama. Destaco que há muita proximidade entre as duas abordagens. Como diz uma amiga, somos primos. Um dos objetivos do psicodrama é investigar as dificuldades ao desempenho livre, espontâneo criativo das nossas condutas ou papeis.
Após nos aquecermos, nos passos da TC, seguimos para o momento em que a participante, cujo tema foi eleito, apresenta com detalhes seu sofrimento. Éramos 25 pessoas. A protagonista desta semana é uma participante regular do grupo, ela sempre apresenta os muitos conflitos familiares em que está inserida. Ela já participa a uns 6 meses, desde que soube da gravidez da filha e a colocou pra fora de casa. Na semana anterior ela falou da dificuldade em relacionar-se com o marido. Esta semana voltou com a dificuldade que tem em perdoar a filha, em abraçá-la. Então eu perguntei: o que você gostaria de dizer pra sua filha? Arthur acompanhou meu movimento e convidou nossa protagonista a escolher alguém para ser a sua filha.
Ela disse à filha, de 19 anos, que queria para ela um futuro melhor, uma vida de estudo e trabalho, não de filhos. A filha disse que se sentia muito só, com medo, desamparada pelo fato de a mãe não apoiá-la. A protagonista pode conscientizar-se sobre o que sente e que a filha sofre com a distância da mãe. Após conversarem, sempre orientadas pelo diretor da cena, a protagonista disse que tem vontade de abraçar a filha, mas lhe falta coragem. O diretor apresentou a ela um participante da plateia, que tem uns 120 quilos, e perguntou: este tanto de coragem te ajuda? A coragem a conduziu até a filha, que abriu os braços para a mãe e as duas se abraçaram, com muita emoção.
Por fim, partilhamos o que cada um sentiu, duas pessoas da plateia contaram como superaram a dificuldade de perdoar e aceitar. Na TCI falar é o caminho para a cura. Mas há casos em que a pessoa não se conscientiza do que está falando e sofrendo. Assim, acredito que neste caso específico foi essencial a representação. O Psicodrama é uma metodologia muito fértil no momento da contextualização. Em seguida realizamos a partilha das experiências. Uma das funções da partilha é ajudar o protagonista a perceber que ele não está só, que outras pessoas também têm ou tiveram a mesma dificuldade que ele. Outra função essencial é a de o protagonista perceber-se útil ao ver como outros participantes aprenderam com a sua representação. Alerto que o terapeuta comunitário deve ter alguma capacitação em psicodrama para poder aplicá-lo. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Uma roda que não deu muito certo...

Estar nas rodas de TC é, para mim, um grande prazer. Mas nem sempre tudo são flores. Em setembro, eu e Arthur, realizamos uma roda com um tema pré-estabelecido. Eu gosto e ir pra terapia com uma carta na manga: “se não houver nenhuma questão do grupo eu vou propor tal tema”. No grupo regular que eu trabalho isso raramente acontece. Mas neste dia aconteceu.
Tenho percebido que algumas pessoas do grupo querem sempre estar felizes. Eu apresentei a proposta (que estava guardada a meses) de falarmos sobre a tristeza e a depressão. Alguém protestou baixinho: “já estou  triste, vamos fazer uma coisa alegre”. Meus ouvidos de psicóloga ouviram: “não quero enfrentar minha tristeza”. Com todo meu respeito pelas defesas, que são necessárias, eu confrontei a jovem explicando a minha ideia.
Penso que hoje é proibido ficar triste e qualquer tristeza mais forte já chamam de depressão, aí aparece um “amigo” exigindo que você supere logo o problema. Discutimos este tema, várias pessoas relembraram momentos de profunda tristeza e compartilharam as estratégias usadas para superar. Ao final eu compartilhei um texto que estava comigo sobre ser dominado pela tristeza.
Durante a avaliação da roda a consideramos boa ou ótima em alguns pontos. Mas o meu sentimento é de que não foi uma roda legal. Hoje acho que antes de oferecer o tema eu deveria ter perguntado qual tema o grupo gostaria de propor, já que não havia nenhuma questão individual. Se houvesse vários temas, elegeríamos um, se houvesse apenas um, seria aquele e se não houvesse nenhum tema vindo do grupo eu proporia o meu. Mas a minha ansiedade foi na frente, porque eu acho que eles têm que enfrentar a tristeza, como eu penso que faço, eu “impus” meu tema. Foi com amor, boa vontade, carinho, mas não foi uma condução apropriada.
O que eu trouxe comigo daquela roda de TC é que nem sempre eu estou preparada o suficiente, nem todo dia eu conduzo bem a terapia, nem todo dia eu me sinto segura, nem todo dia dá certo...nenhum dia é igual ao outro. 

sábado, 8 de outubro de 2011

Omelete de amoras: melancolia, saudades do impossível!


Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e, a cada ano, ficava mais melancólico.Um dia, ele chamou o seu cozinheiro e disse-lhe: Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que lhe sou agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras igual àquela que comi há 50 anos, na infância. Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisávamos fugir. Viajamos dia e noite através da floresta, onde, afinal, acabamos nos perdendo. Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha, que nos acolheu generosamente. Ela preparou-nos uma omelete de amoras, e, quando a comi, fiquei maravilhado. A omelete era deliciosa e me trouxe esperança ao coração. Na época, eu não dei muita importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la. Agora, quero que você atenda a esse meu desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro. Se não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo.
Então, o cozinheiro disse: Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco. É claro que conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos, conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los, mas isso não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. Ela não terá o sabor picante do perigo, a emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do repouso. Não terá o sabor do presente estranho e do futuro incerto.
Esta história nos faz pensar que a melancolia é, como escreve Freud, uma sensação de que se perdeu algo, que não se sabe bem o que. Em consequência disso passamos dias de nossas vidas tentando trazer de volta o sabor de uma omelete única. O rei da história estava melancólico, sem vigor, com saudades de um tempo especial de aventura, amor, emoção, magia (acho que a velha era uma feiticeira). Porém, ele ficou preso ao passado, sem viver o presente, pensando que se consumisse a omelete, matando se preciso fosse, ele teria sua alegria de volta. É impossível revivermos momentos especiais do passado.
Hoje confundimos objeto de desejo com objeto de consumo. As crianças desejam um brinquedo novo, os jovens uma roupa nova, os adultos uma viagem nova e os mais vividos um corpo novo ou o antigo. O desejo é inerente a nossa existência humana, não podemos possuí-lo, consumi-lo. O desejo é vital, o consumo não. É comum as pessoas dizerem que vão às compras, porque estão tristes. Triste engano, as compras nunca poderão preencher o vazio, ou trazer de volta algo que passou.
Lembrando Titãs: Você tem fome de que? Sempre quer inteiro e não pela metade? Necessidade, desejo... Não confunda necessidade com vontade! O que fazer então? Promover novos momentos especiais: fazer novos pratos, com novos sabores, com novas magias. Faça algo novo, ria, chore, ame, brigue, faça as pazes, viva. Agradeça pelo que você tem!
Parábola extraída do livro AS MAIS BELAS PARÁBOLAS DE TODOS OS TEMPOS - Volume 2, Alexandre Rangel, Editora Leitura

sábado, 1 de outubro de 2011

Como será o amanhã?

Esta é uma pergunta que todo ser humano se faz. Especialmente na juventude, momento de decisões, escolhas e aparentemente de definição para o resto da vida. Digo aparentemente porque seja qual for o caminho escolhido, desde que não leve a morte, sempre será possível retomar, reencontrar alguém do passado, escolher outra profissão...
Para quem não conhece a música: Monobloco

Como será amanhã? 
Responda quem puder
O que irá me acontecer? 
O meu destino será
Como Deus quiser 
Como será?... 
A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
Eu sempre perguntei
O que será?

Autor: João Sérgio

Ontem, eu e Arthur, fizemos duas rodas juntos. A primeira foi na UnB com 37 jovens, todos participavam pela primeira vez de uma roda de TC. O tema escolhido foi este: angústia em relação ao futuro. Um jovem profissional angustiado em relação ao seu amanhã, profissão e relacionamento..
Uma participante contou que ter filhos, ainda muito jovem, foi uma escolha difícil: “eu estava seguindo reto, rumo aos meus objetivos...agora vou por um caminho mais longo, mas vou chegar ao mesmo lugar”. Outra jovem relatou que deixou sua família e veio estudar em Brasília, em busca de seus sonhos: “é difícil ficar longe das pessoas que eu amo...mas eu acho que fiz a escolha certa”. Um rapaz nos contou que descobriu que precisava primeiro pensar nele, pra depois pensar nos outros.
Parece que de alguma forma nós fazemos o futuro, mas por outro lado a vida também nos leva para o futuro, por caminhos que não planejamos.  Mas o que é a vida? O que é o futuro? Se não um constante surpreender-se (com alegrias e tristezas) neste nosso percurso de existir. Neste caminho encontramos pessoas, algumas fazem a diferença, outras nem tanto. Todos passamos pela vida, uns dos outros. Na vida fazemos escolhas diariamente, algumas relevantes, outras nem tanto.
Não adianta bola de cristal, cartomante, jogos de búzios. Em períodos de crises, com grandes escolhas, penso que é preciso acalmar-me internamente, saber distinguir o que é meu e o que é do outro, para viver um pouco mais consciente. Mas pedras no caminho? Sempre. Mas o que você faz com elas? Concluo com Cora Coralina: Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores.